Demi Lovato saiu de uma van do tamanho de um trator e caminhou até o palco montado no The Grove, um shopping ao ar livre de alto calibre na cidade, onde ela iria se apresentar na inauguração de uma nova loja da Topshop. Enquanto os “lovatics” ensandecidos (como os próprios fãs da cantora se autodenominam) tiravam fotos de seus iPhones e levantavam cartazes feitos a mão para a estrela, ela parecia um pouco tímida. O que era compreensível: seu pé direito estava dentro de uma tipóia preta com tachas prateadas, que lembrava uma gigantesca bota de ski.
Mas assim que a senhora Lovato empunhou, mancando, o microfone; vestida com uma jaqueta de motoqueiro e calça preta justa, ela superou a timidez e tensão, seus lábios escuros brotando em um sorriso deslumbrante.
“Me sinto ótima,” ela gritava para o público, divertidamente chutando o ar com seu pé machucado, antes de entoar sua canção do topo das paradas, “Give Your Heart a Break.” “Estou pronta pra arrasar!”
Abraçar e aceitar os momentos pelo que eles são se tornou uma característica peculiar de Lovato, 20 anos; algo que a ajudou a voltar para os holofotes após uma drástica e repentina queda (no final de 2010, ela entrou em reabilitação por problemas relacionados a um transtorno alimentar e automutilação) que colocou sua carreira – que havia entrado em ascensão no Disney Channel – em pausa.
Ao invés de aderir ao livro pronto de Hollywood e dispensar ou amenizar os fatos, Lovato expôs abertamente seus problemas, twittando aos seus 12 milhões de seguidores sobre ter passado a véspera de Ano Novo na clínica, e conversando com Katie Couric sobre se sentir gorda quando ainda usava fraldas.
Ao invés de manchar sua imagem, essas revelações honestas parecem tê-la reforçado. Ela está em negociações para voltar a ser jurada na próxima temporada do reality show musical “The X Factor” da Fox. Ela foi, plausivelmente, o destaque do programa no último inverno. E sua nova canção, “Heart Attack,” manteve a primeira posição nas vendas do iTunes em sua primeira semana de lançamento. Alguns críticos a comparam à estrela do American Idol, Kelly Clarkson.
Este segundo ato de Demi é um vívido contraste ao de Miley Cyrus, sua antecessora direta nos rinques da Disney. A transição de Cyrus – de rainha adolescente à estrela adulta – foi marcada por várias, várias revelações escandalosas e uma foto quase nua na revista Vanity Fair; o que deixou seus fãs se sentindo alienados e confusos. Suas vendas em discos afundaram.
A abordagem de Lovato tem provado ser mais sábia, assim como sua decisão de usar o “X Factor,” cuja última temporada atraiu oito milhões de espectadores, como uma plataforma para seu retorno. Em nenhum lugar ela pareceu mais “autêntica,” como seus assistentes gostam de dizer, do que no programa; emergindo como uma jurada animada, com quem o público consiga se identificar; que estava mais confortável do que sua parceira de painel, Britney Spears. Enquanto Spears oferecia críticas secas e genéricas aos participantes e aparentava, discretamente, estar estressada durante a temporada (ela não retornará), Lovato era como uma mãe amorosa, em um ponto até subindo no palco para consolar uma cantora que chorava, Jillian Jensen, que disse ter sofrido bullying na escola. (Lovato atribui seus próprios conflitos emocionais ao fato de também ter sido vítima de bullying aos 12 anos.)
“Quando eu li sua história e sobre os problemas que ela teve, como os superou e falou francamente sobre os mesmos, fiquei muito impressionado,” disse Simon Cowell, o criador do “The X Factor” e jurado principal, em uma entrevista ao telefone. “Pensei, aqui está uma garota que passou por muita coisa, que já é experiente, é muito confiante, tem essa base de seguidores fanáticos, e achei que fosse importante para o programa ter alguém que representasse esse público.”
O programa também permitiu que Lovato cultivasse sua imagem como um ídolo fashion, com influências de Gwen Stefani e Joan Jett: franjas cor-de-rosa berrantes, delineador destacado e várias jaquetas de couro para combinar com suas várias tatuagens. Virtualmente todos os seus looks foram fornecidos pela Topshop, marca da qual Demi se tornou uma porta-voz não oficial desde que ela fez amizade com o proprietário da empresa, Sir Philip Green, enquanto fazia compras na unidade da loja em Londres, no ano passado.
“Passeamos conversando pela loja,” Sir Philip contou ao telefone. “A achei um doce de menina.”
Depois de ela ter conseguido o trabalho no “X Factor,” ele disse, “mandamos uma de nossas garotas atrás dela para ver como poderíamos ajudá-la a desenvolver seu estilo. Ela ficou bem mais interessada em roupas no geral.” (A estilista de Demi é Soulmaz Vosough, chefe global de compras pessoais da Topshop.)
A relação parece ter valido a pena para ambas as partes.
“Ela está incrível,” disse Dana Mathews, editora senior de entretenimento da Teen Vogue, revista da qual Demi foi capa, na edição de novembro. “As pessoas realmente olham para como ela se veste, e seu cabelo. Na capa, o cabelo dela estava tingido de azul nas pontas, e nossas leitoras amaram. A Katy Perry esteve na capa em maio passado, com o cabelo azul, mas estava completamente tingido, não meio-a-meio. Demi meio que arrisca, e as pessoas gostam disso.”
Mathews também contou que Demi é popular com as leitoras mais jovens porque ela está passando pelas mesmas coisas que muitas delas. “Assim como várias outras estrelas,” ela acrescentou, “mas Demi é uma das poucas que são sinceras de verdade em relação a isso.”
De fato.
Em uma suíte no Mondrial Hotel na Sunset Boulevard, numa tarde recente, Lovato estava tomando uma xícara de chá (ela se recuperava de uma bronquite), toda encolhida em uma poltrona branca, vestindo calças pretas de couro e uma jaqueta militar verde – cortesia da Topshop, claro.
“Há dois anos, eu estava em tratamento e passei o Ano Novo na reabilitação,” ela recordou. “E aquilo foi muito difícil. Olhei pra minha vida e pensei, ‘o que eu fiz comigo mesma? Não acredito que cheguei a esse ponto.’”
Avançando para essa última virada de ano.
“Sou eu na praia, literalmente dando uns goles num café expresso em uma cabana, durante a noite, com meus amigos mais próximos,” Demi contou. “Foi apenas um momento em que pensei, wow, isso. Às vezes, é duro fazer a coisa certa. Mas tantas coisas maravilhosas acabam vindo quando você passa a fazê-las por si mesmo.”
Lovato ainda vai a fundo no mundo auto-reflexivo da recuperação. Admitindo que “já houve escorregões” e que“você não entra na reabilitação e sai completamente curada,” ela passou o último ano vivendo em uma clínica de convivência para sóbrios, para onde ela ia depois de gravar o “X Factor”. “Uma casa com várias garotas, o que foi muito legal.”
Ela disse que se encontra regularmente com um terapeuta. E que até tem profissionais em recuperação em seu time frequentemente citado de assistentes. Nenhum desses tópicos ficaram de fora dos limites, mesmo com sua empresária do dia-a-dia, Nikki Bohannon, sentada a alguns metros, furiosamente digitando em seu smarthphone e, de hora em outra, lançando um olhar atento à Lovato.
“Minha equipe não é do tipo que vai mentir,” disse Demi. “Porque, primeiro, não é justo. E segundo, tudo acaba sendo revelado, de qualquer modo. Então é melhor você se poupar desse problema e não ter motivos para ter que inventar uma desculpa para outra desculpa.”
E ela ainda acrescentou, “Ninguém me odeia por causa disso, o que é bom.”
É o que parece. No evento no Grove, uma “lovatic” com aparelho ortodôntico e unhas de cor roxa chamou a atenção de Lovato com um cartaz, encorajando Demi a “permanecer forte” (“Stay Strong”), uma referência a uma de suas tatuagens. Outra fã se debulhou em lágrimas ao ver a cantora.
Durante o “X Factor,” os fãs de Demi estiveram especialmente elétricos, devotando páginas do Tumblr inteiramente a falar sobre o que ela vestia toda noite e acusando Spears de roubar o look da cantora, após a estrela pop tingir as pontas de seus cabelos loiros de azul e rosa. Outro tópico de discussão: as sobrancelhas mutantes de Lovato.
“Passei por essa fase de maluquices com a sobrancelha,” Lovato disse, rindo. “Me viciei em lápis de sobrancelha.”
Sobre tingir seu cabelo oito vezes: “Era só eu pensando, tipo, ‘O que posso fazer de novo agora? Estou entediada.’”
Isso também pode ter sido uma resposta rebelde ao fato de Demi ter crescido na máquina Disney. Logo após ter aparecido no filme “Camp Rock”, em 2008, ao lado dos Jonas Brothers, Lovato, que tinha 15 anos na época, conseguiu seu próprio programa, “Sunny Entre Estrelas,” e estava em uma rápida ascensão para substituir Cyrus.
Então, Demi deu um soco em uma dançarina de apoio durante a turnê. Depois disso, entrou em tratamento, deixou o Disney Channel e pausou sua carreira musical.
De acordo com Brian Robbins, o produtor executivo de “Sunny Entre Estrelas,” Lovato, que mesmo naquele tempo já tinha duas tatuagens (agora ela tem 24, se você contar todos os pássaros em seu antebraço direito), nunca realmente se encaixou em seu papel de princesa adolescente.
“Ela é profunda,” disse Robbins. “Ela não é uma líder de torcida sorridente do Texas.” (Demi cresceu em Dallas; sua mãe chegou a ser líder de torcida dos Cowboys.) “O que também pode servir como explicação para todas as provas e tribulações pelas quais ela passou.”
Agora, Lovato está retornando à sua verdadeira paixão, a música, com um disco que Ken Bunt, o vice-presidente executivo do Disney Music Group, chama de “o álbum mais coesivo que ela já preparou. Ele conta uma história.”
“Ela é uma cantora poderosa, mesmo,” disse Bunt, notando que seus vocais estavam “muito marcantes” na faixa “Give Your Heart a Break.” “Acho que isso fez as pessoas a levarem um pouco mais a sério do que no passado.”
Lovato disse: “Com as minhas músicas antigas, eu ainda não havia decifrado quem eu era musicalmente. É um processo. Você evolui com o tempo, e você nunca acha a chave principal. Mas, agora, eu tenho uma idéia mais apurada. Tenho uma noção melhor sobre quem eu sou como musicista.”
Ao perguntarmos sobre um possível retorno à TV ou aos filmes no futuro, no entanto, Demi sorriu e pegou sua xícara de chá.
“Acho que tenho tatuagens demais para voltar a atuar.”